quinta-feira, 17 de março de 2011

Sobre as ideias

O pior que pode acontecer quando julgamos ter uma ideia nova é perceber que a ideia não é tão original assim. Que outra pessoa, noutro canto do mundo, há dois meses ou há 35 anos tenha tido uma ideia parecida com a nossa é uma coisa estranha, uma descoberta um bocadinho amarga (quando a ideia parecia mesmo boa), que rapidamente faz esmorecer aquela luz espetacular que as boa ideias sempre trazem. As luzes apagam-se e partimos para outra, com a sensação de que já nos devíamos ter lembrado daquilo há mais tempo. Chegámos atrasados... Azar.

Muitas vezes a ideia até é resolvida de uma forma diferente daquela que imaginámos e, provavelmente, até chegaríamos a um resultado diferente daquele que vimos concretizado se não a abandonássemos. (Mas, bolas, uma pessoa tem o seu orgulho... E pegar numa ideia que já passou por mãos alheias, não é uma sensação muito agradável.)
As ideias simples podem ser as mais traiçoeiras (as ideias simples, no caso dos álbuns ilustrados podem ser as mais espetaculares). Por vezes a ideia é tão simples que de certeza já foi tomada por alguém; mas também acontece o contrário: damo-nos conta de que aquela ideia ainda estava desocupada e pensamos: como é possível?



Ainda nada? Christian Voltz, Kalandraka

Já me aconteceu ter uma ideia para um livro e ainda antes de a começar a escrever, descobrir (graças aos céus!) que não a poderia usar pois já existia num (fantástico) livro da Kalandraka chamado "Ainda nada?". A ideia, que já vivia feliz na minha cabeça há umas semanas, era exatamente igual à deste livro: as páginas divididas ao meio por uma linha que separa a superfície do interior da terra, e um menino que espera o nascimento de qualquer coisa que plantou. Cá fora, a expetativa é grande, mas para os leitores ainda é maior porque se apercebem do que se vai passando debaixo da terra, graças às imagens que mostram aquilo que as personagens não veem.

Felizmente (ou será infelizmente?) só sabemos de muitas destas coincidências à posteriori. Porque esbarramos com elas num site de alguma editora ou porque alguém nos disse que uma amiga viu um livro parecido com o nosso, numa livraria qualquer. Nestes casos, acho que há pessoas que ficam sempre desconfiadas (umas mostram, outras não): e passa-lhes pela cabeça palavras como "plágio" ou "inspiração não assumida" (lembrei-me deste caso aqui). Mas, obviamente, é muito natural que estas coisas aconteçam: a não ser que sejamos génios do outro mundo, as cabeças podem fazer percursos parecidos, pisar o chão que alguém já pisou, perseguindo uma ideia, uma preocupação ou uma motivação qualquer, vendo graça num detalhe, num objeto, numa situação que mais ninguém reparou... ou que pensávamos que mais ninguém tinha reparado.






Cars, A little golden book

Sobretudo quando falamos de álbuns ilustrados, que para além das palavras e das imagens, partem de uma ideia que se quer forte, convém não nos repetirmos (num caso de um romance, já é diferente: a mesma ideia pode ser repetida e podemos ter sempre livros muito diferentes). Mas às vezes repetimo-nos mesmo (em parte ou na totalidade) e não ganhamos para o susto.

Tudo isto para dizer que há poucos dias encontrei estes dois belos livros (um de 1961; outro de 1973) que me fizeram lembrar dois dos nossos: A Grande Invasão e Andar Por Aí.
No caso do livro Cars, trata-se apenas de uma coincidência de tema.
Mas, em The Listening Walk as semelhanças nas primeiras páginas chegam a ser assustadoras. Depois o livro vai por outro caminho... e sente-se um enorme alívio.







The Listening Walk, Paul Showers e Aliki

As duas descobertas foram feitas no blogue The Apple and the Egg.
Já agora, descobri que este último livro teve uma versão mais recente, 30 anos depois da original, mas também 30 vezes pior (espreitem aqui).
Às vezes o tempo pode não ser o bom conselheiro (ou o tempo ou o editor, neste caso não se sabe).

2 comentários:

  1. É verdade,
    acredito que a inspiração, às vezes - ou sempre - é isso mesmo: inalar da nuvem que paira no alto, comum e que vai tendo actualizações individuais que, tal como os gémeos, podem, eventualmente, de vez em quando e por acaso genético, ser "gémeas" na aparência. Isto e plágio são coisas diferentes, completamente.

    E, não é por acaso se calhar que nas celebrações da poesia deste ano se repete a escolha do inspirado título do Munari. Bolas ( ou não. É mesmo assim, pelos vistos. Não podemos controlar os acasos se forem só isso ou se forem muito mais - no sentido de muito grande, muito maior a lógica - que isso:
    http://blx.cm-lisboa.pt/fotos/gca/folheto_mercado_10619419244d80a1f8e0ff4.jpg )!

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  2. acabei de fazer um post com referencia a isto... passem por lá.

    bjnhs!

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