Os vencedores do passatempo Supergigante são:
Rui Silva, de Lisboa;
Cláudia Coimbra, de Lisboa;
e Maria Cristina Itozaku, de Florianópolis, Brasil.
Obrigada a todos os que participaram (recebemos textos fantásticos, a escolha foi renhida).
Aos vencedores, parabéns! O Supergigante já começou a corrida até vossas casas.
Aqui ficam os textos selecionados:
Na casa dos meus avós existia um azulejo que avisava "não corras tanto que o tempo não acaba". Eu nunca lhe liguei e por isso passei metade da minha vida a correr. A única diferença é que corria dentro de água. A natação é uma forma especial de correr; a água esconde o suor e chegamos quase sempre ao mesmo ponto de onde partimos. Eu corria dentro de água e gostava. Sempre que me atirava à piscina corria como se não houvesse amanhã, vingando-me do andar e do correr desajeitado que tinha (e tenho) fora dela. Mais tarde passei a correr no mar, ajudado pela inclinação e a espuma das ondas. Não há corrida mais bonita. Quem corre nas ondas acaba sempre o dia com um sorriso na cara de olhos vermelhos, salgados pelo mar. Eu corria que me fartava e o tempo não acabava. Por vezes até o sentia esticar. Os meus avós abanavam a cabeça mas eu respondia acelerando. Até que de repente parei. Deixei de correr. Na piscina e nas ondas. As corridas aquáticas foram arrumadas na prateleira de cima do fundo da arrecadação e passaram à condição de memórias. Nos dias que correm a agitação é outra e os únicos que vejo correr de verdade são os meus dois sóis, que têm bicho-carpinteiro: aceleram, pulam, caem e levantam-se. Não há dia que não deseje seguir-lhes o exemplo. Acho que ainda vou a tempo.
Rui Silva
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UMA BIOGRAFIA QUASE LENTA
A minha mãe
correu para me ter mas eu nasci devagar. Nasci de uma mãe agitada com pressa de
viver, daquelas que nos pegam pela mão e atravessam as ruas na diagonal, que têm
dois trabalhos mas arranjam tempo para brincar no chão, fazer rissóis e mil
folhos em vestidos que eu não queria usar. A minha mãe corre. Eu contemplo.
Quando queria viajar bastava dar-lhe a mão e levantar os pés do chão, como quem
apanha um autocarro que está mesmo, mesmo a partir e lá ia eu meio a voar. No
dia em que caiu a trovoada na praia e houve a debandada, fiquei a comer gelado
na areia. Vi o Índico escurecer, as pingas mornas a derreterem o doce do gelado
e eu a lamber os lábios salgados de mar. E todos aqueles protões e neutrões que
apanhei me transformaram. Continuo a contemplar e em vez de correr, arranjei
muitos braços com que estou em todo lado. Com uma mão ponho um penso num
joelho, pouso outra no queixo para ler histórias, mexo a sopa de beterraba com
a terceira, arranjo mais duas para verificar piolhos vindos da escola, tenho
aquela que faz cócegas e muitas outras de que precise. Para não correr arranjei
esta maneira. Só corro quando vêm as trovoadas, para chegar à praia ou ao topo
da montanha e poder agarrar aquela energia toda que mantém os mil braços a
funcionar.
Cláudia Coimbra
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Meu desempenho na largada foi impecável:
nasci antes mesmo de nascer o sol, às quinze para as cinco da manhã. Meus irmãos
e irmãs vieram muito depois, respeitando intervalos de três anos para que minha
mãe pudesse respirar. Como a maioria das crianças, preferia correr a andar e
ficava torcendo para o meu pai ultrapassar os outros carros quando saíamos para
passear. No primeiro ano, fui campeã de velocidade em letra-de-mão: terminava
todas as cópias, exercícios e ditados antes de qualquer um. Por isso, passei o
segundo ano fazendo trabalho extra no caderno de caligrafia, até que os meus
garranchos se tornassem legíveis. A partir daí, alguma coisa desandou. Acho que
era difícil correr com a cabeça enfiada num livro. Na adolescência, fiz parte
de um duo conhecido na família como “Devagar-e-Quase-Parando”, até que a minha
prima optou pela carreira solo, alegando que eu era um atraso de vida. Só fui
me recuperar ao compor o pódium das primeiras gestações entre as garotas da
minha geração. Foi uma chegada emocionante: as três primas-de-segundo-grau
chegaram ao mundo num período de cinco meses. Fiquei com a medalha de prata.
Hoje, tento manter presente a ideia de que não se pode viver das glórias do passado.
Chegando aos cinquenta, me consola a verdade incontestável de que pra baixo
todo santo ajuda. Sinto que vou, lenta mas seguramente, ganhando momento. Hora de
consultar o livro dos recordes.
Maria Cristina Itokazu
Caro Rui,
ResponderEliminarGostei muito de ler a sua corridíssima biografia, inclusive porque eu também fui nadadora.
Fiquei pensando que, mesmo dentro d'água, o tempo vai mudando com o tempo. Quer dizer, na época em que o Johnny Weissmuller, além de ser o Tarzan no cinema, era o recordista mundial dos 100 livre, parecia quase impossível percorrer essa distância em menos de um minuto...
Já na época em que eu nadava, o nosso ídolo era o Mark Spitz, que ganhou 7 medalhas de ouro nas Olimpíadas de Munique e nadou os 100 livre em 0:51.22 (quase 10 segundos abaixo da barreira do minuto).
E na sua época? Quem era o bam-bam-bam das piscinas? Qual era o seu estilo preferido? Você acompanha a natação até hoje?
Um abraço!
Olá Maria.
EliminarNo meu tempo o meu favorito era o húngaro Tamás Darnyi, um nadador cego de um olho que dominou as provprovas de estilos no início dos anos 90!
Um abraço
RVS
Boa tarde, Tangerinas!
ResponderEliminarOntem, depois de quatro meses de espera, recebi o livro que vocês enviaram. Acho que o caminho das encomendas internacionais ainda é meio incerto deste lado do Atlântico...
Mas já estou correndo com a Ana Pessoa e o Bernardo Carvalho, que são mesmo maravilhosos.
Muito obrigada!