sexta-feira, 27 de junho de 2014

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Vencedores do Passatempo Supergigante

O júri já deu o veredicto!
Os vencedores do passatempo Supergigante são:
Rui Silva, de Lisboa;
Cláudia Coimbra, de Lisboa;
e Maria Cristina Itozaku, de Florianópolis, Brasil.

Obrigada a todos os que participaram (recebemos textos fantásticos, a escolha foi renhida).
Aos vencedores, parabéns! O Supergigante já começou a corrida até vossas casas.

Aqui ficam os textos selecionados:

Na casa dos meus avós existia um azulejo que avisava "não corras tanto que o tempo não acaba". Eu nunca lhe liguei e por isso passei metade da minha vida a correr. A única diferença é que corria dentro de água. A natação é uma forma especial de correr; a água esconde o suor e chegamos quase sempre ao mesmo ponto de onde partimos. Eu corria dentro de água e gostava. Sempre que me atirava à piscina corria como se não houvesse amanhã, vingando-me do andar e do correr desajeitado que tinha (e tenho) fora dela. Mais tarde passei a correr no mar, ajudado pela inclinação e a espuma das ondas. Não há corrida mais bonita. Quem corre nas ondas acaba sempre o dia com um sorriso na cara de olhos vermelhos, salgados pelo mar. Eu corria que me fartava e o tempo não acabava. Por vezes até o sentia esticar. Os meus avós abanavam a cabeça mas eu respondia acelerando. Até que de repente parei. Deixei de correr. Na piscina e nas ondas. As corridas aquáticas foram arrumadas na prateleira de cima do fundo da arrecadação e passaram à condição de memórias. Nos dias que correm a agitação é outra e os únicos que vejo correr de verdade são os meus dois sóis, que têm bicho-carpinteiro: aceleram, pulam, caem e levantam-se. Não há dia que não deseje seguir-lhes o exemplo. Acho que ainda vou a tempo.

Rui Silva


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UMA BIOGRAFIA QUASE LENTA



A minha mãe correu para me ter mas eu nasci devagar. Nasci de uma mãe agitada com pressa de viver, daquelas que nos pegam pela mão e atravessam as ruas na diagonal, que têm dois trabalhos mas arranjam tempo para brincar no chão, fazer rissóis e mil folhos em vestidos que eu não queria usar. A minha mãe corre. Eu contemplo. Quando queria viajar bastava dar-lhe a mão e levantar os pés do chão, como quem apanha um autocarro que está mesmo, mesmo a partir e lá ia eu meio a voar. No dia em que caiu a trovoada na praia e houve a debandada, fiquei a comer gelado na areia. Vi o Índico escurecer, as pingas mornas a derreterem o doce do gelado e eu a lamber os lábios salgados de mar. E todos aqueles protões e neutrões que apanhei me transformaram. Continuo a contemplar e em vez de correr, arranjei muitos braços com que estou em todo lado. Com uma mão ponho um penso num joelho, pouso outra no queixo para ler histórias, mexo a sopa de beterraba com a terceira, arranjo mais duas para verificar piolhos vindos da escola, tenho aquela que faz cócegas e muitas outras de que precise. Para não correr arranjei esta maneira. Só corro quando vêm as trovoadas, para chegar à praia ou ao topo da montanha e poder agarrar aquela energia toda que mantém os mil braços a funcionar. 


Cláudia Coimbra



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Meu desempenho na largada foi impecável: nasci antes mesmo de nascer o sol, às quinze para as cinco da manhã. Meus irmãos e irmãs vieram muito depois, respeitando intervalos de três anos para que minha mãe pudesse respirar. Como a maioria das crianças, preferia correr a andar e ficava torcendo para o meu pai ultrapassar os outros carros quando saíamos para passear. No primeiro ano, fui campeã de velocidade em letra-de-mão: terminava todas as cópias, exercícios e ditados antes de qualquer um. Por isso, passei o segundo ano fazendo trabalho extra no caderno de caligrafia, até que os meus garranchos se tornassem legíveis. A partir daí, alguma coisa desandou. Acho que era difícil correr com a cabeça enfiada num livro. Na adolescência, fiz parte de um duo conhecido na família como “Devagar-e-Quase-Parando”, até que a minha prima optou pela carreira solo, alegando que eu era um atraso de vida. Só fui me recuperar ao compor o pódium das primeiras gestações entre as garotas da minha geração. Foi uma chegada emocionante: as três primas-de-segundo-grau chegaram ao mundo num período de cinco meses. Fiquei com a medalha de prata. Hoje, tento manter presente a ideia de que não se pode viver das glórias do passado. Chegando aos cinquenta, me consola a verdade incontestável de que pra baixo todo santo ajuda. Sinto que vou, lenta mas seguramente, ganhando momento. Hora de consultar o livro dos recordes.

Maria Cristina Itokazu


quarta-feira, 25 de junho de 2014

Prémio Nacional de Ilustração 2013

António Jorge Gonçalves é o vencedor do Prémio Nacional de Ilustração 2013 com as ilustrações para o livro "Uma escuridão bonita" (texto de Ondjaki, edição Caminho).

Este ano, o júri também atribuiu duas menções honrosas: uma às ilustrações de Yara Kono para o livro "Uma onda pequenina" (texto de Isabel Minhós Martins), editado pelo Planeta Tangerina e outra ao trabalho de João Fazenda para o livro "O pai mais horrível do mundo" (texto de João Miguel Tavares, edição Esfera dos Livros).

António Jorge Gonçalves também faz parte do catálogo do Planeta Tangerina. É ele que assina as ilustrações do livro "Irmão lobo", com texto de Carla Maia de Almeida, da nossa coleção Dois Passos e Um Salto.

Aos vencedores, Bravo!

terça-feira, 24 de junho de 2014

PACKS DE LIVROS A NÃO PERDER

Até ao próximo dia 6 de julho, a loja está em saldos.
Para comemorar a chegada do verão, organizámos uma campanha com 8 packs de 3 livros, em que o 3.º é oferta da casa.

Campanha válida entre 24/6/2014 e 6/7/2014, limitada ao stock existente.
(Oferta do livro de valor mais baixo.)

Espreitem aqui: www.planetatangerina.com/pt/loja

quarta-feira, 18 de junho de 2014

AVISO: este passatempo vai passar a correr




A ideia é que este passatempo passe a correr. Por isso, se querem evitar tendinites, respirações descontroladas e respetivas dores de burro, é bom que comecem o aquecimento.

No post anterior, divulgámos as biografias de Ana Pessoa e Bernardo Carvalho escritas ao ritmo acelerado dos passos de Edgar para o livro Supergigante.

Agora, desafiamos os nossos leitores-corredores a escrever uma autobiografia no espírito das anteriores, lembrando-se das corridas que fizeram, das fugas para a frente, das paragens mais significativas, dos cansaços, lesões e desistências e também das recuperações mais memoráveis, da chegada à meta, das grandes e pequenas vitórias.

Os textos devem ser enviados até dia 22/6 para o endereço: shop@planetatangerina.com, não devendo ultrapassar as 240 palavras.

Ana Pessoa e Bernardo Carvalho selecionarão os três melhores textos recebidos.
Aos vencedores teremos o prazer de enviar um exemplar do Supergigante, com uma autógrafo personalizado pelos autores.

Deixem-se de preguiças e deem o vosso melhor: corram, o Supergigante merece!

Ana Pessoa e Bernardo Carvalho: Biografias a correr



Acompanhando as passadas de Edgar, o protagonista de "Supergigante", Ana Pessoa (autora do texto) e Bernardo Carvalho (autor das ilustrações) escreveram as suas próprias biografias para serem publicadas nas últimas páginas deste livro.

O que é que cada uma destas biografias tem de especial? A sua velocidade.

Ora leiam:

Ana Pessoa

Nasci a correr numa madrugada de 1982, estava com pressa. Achavam que ia chegar atrasada mas afinal adiantei-me. Quando era pequena, corria com os pés tortos, mas depois fui ao sítio e já ninguém me parou. 
Sempre gostei de andar pelo meu próprio pé. Ainda hoje é assim: vou a pé para todo o lado.

Nas aulas de Educação Física, as corridas de aquecimento eram as minhas preferidas. 

O corpo estava quente e frio ao mesmo tempo, o campo de futebol era muito comprido. Eu corria e imaginava que era um leopardo. Tinha uma longa cauda e percorria a savana a 50 km/hora. Graças às minhas quatro patas e ao meu corpo às pintinhas, ganhei várias medalhas em corta-matos. Era rápida e resistente.

Agora já não tenho uma longa cauda e só corro para apanhar o comboio ou então uma história qualquer que esteja a fugir. Desde pequena que escrevo num grande alvoroço. Cheguei a Bruxelas em 2007 e criei um blogue (belgavista.blogspot.com), onde tenho escrito apontamentos acelerados. Em 2012 publiquei o meu primeiro livro, O caderno vermelho da rapariga karateca. Nesse ano, uma história Supergigante agarrou-me pela mão e eu andei a correr atrás dela dentro da cabeça.




Bernardo Carvalho

A minha mãe chamava-me destravado (sem travões). Eu adorava correr e costumava vir a correr da escola, nem sei bem porquê. Os cães vadios viam-me passar a correr e começavam a correr atrás de mim e eu corria ainda mais depressa. Tinha imensa vergonha que as outras pessoas me vissem a correr daquela maneira, porque podiam pensar que corria para fugir dos cães, o que também era um bocado verdade, mas na verdade, verdadinha eu já tinha começado a correr antes de correr a fugir dos cães. Eu corria tanto que sentia a mochila a afastar-se das minhas costas (em vez de me dar coices no rabo com o peso dos livros, voava atrás de mim, só presa pelas alças, sabes? Eu achava, e ainda acho, que só eu é que conseguia imprimir tanta velocidade para se dar este fenómeno, por isso é normal que não saibas). Normalmente eu era mais rápido do que os cães porque muitas vezes eles desistiam ao fundo da rua. Mas havia dias em que não desistiam e eu tinha de entrar em cafés a correr, e uma vez entrei numa escola de condução a correr. Eu sentia muito mais vergonha que cansaço. Fui apanhado duas vezes (pelos cães). Há certas ruas, na Parede, em que ainda não passo por causa dos cães. Tenho saudades de correr. Todos os dias.

Para quem quiser saber mais: Ana Pessoa e Bernardo Carvalho em passo moderado (biografias oficiais).

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Com o tempo (e os velhinhos de Albernoa)



















As Conversas Andarilhas fazem parte do projeto de leitura em meio rural implementado no terreno pela Biblioteca Municipal de Beja, para levar palavras, livros e histórias a 18 freguesias rurais do distrito.

Pelo contexto, poderíamos imediatamente ser levados a pensar que a ideia seria chegar às crianças das aldeias, mas a Biblioteca de Beja já há muito que o faz. Desta vez (e bem!) quem tem prioridade são as camadas seniores, os velhinhos alentejanos, a quem não faltarão certamente histórias para contar, mas a quem não faltará também o prazer de ouvir uma história vinda de fora.

Na fotografia, as fantásticas Cristina Taquelim e Brú Junça com os velhinhos da freguesia de Albernoa, lendo o novo livro do Planeta Tangerina Com o tempo.

(Não imaginam como ficámos orgulhosos de vos ter como leitores.
Do Planeta Tangerina, abraços para todos.)

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Festa Supergigante a 2039 km daqui























Margarida Góis esteve ontem, em Bruxelas (cidade onde vive Ana Pessoa), a apresentar o livro Supergigante. 
As salas da livraria Orfeu, ponto de encontro da literatura portuguesa na capital belga, encheram-se de amigos, leitores, leitores-amigos e amigos-leitores.
Com muita pena, a equipa do Planeta Tangerina não se juntou à festa (2039 quilómetros ainda são 2039 quilómetros), mas já prometemos desforra...




Porque acreditamos que Lisboa nunca ficará atrás de Bruxelas no que diz respeito a festas, marcámos nova festa Supergigante em terras lusas: dia 17 de Julho, na Casa Independente, a apresentação do novo livro de Ana Pessoa estará a cargo de Afonso Cruz. 



















O nosso agradecimento a Margarida Góis (pela apresentação), a Isabel Vidal (pela leitura de excertos) e a Joaquim Pinto da Silva, responsável pela Livraria Orfeu.

Mais próximo da data, daremos mais detalhes sobre a apresentação em Lisboa.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Planeta Tangerina no ELCAF











O Planeta Tangerina vai estar na 3.ª edição do ELCAF (East London Comics and Arts Festival) que se realiza já no próximo sábado, 14 de Junho.

Durante um dia, o ELCAF reúne no mesmo espaço artistas e editores do mundo da ilustração e do cartoon, propondo, para além da venda de livros e ilustrações, sessões de autógrafos, atividades para todas as idades e um programa de conversas com alguns dos participantes.

Se estiverem em Londres e arredores, façam-nos uma visita.

Mais informações sobre o ELCAF, aqui.

Como se chega lá, horários, bilhetes, etc: aqui.



Imagens da edição de 2013:

Uma onda pequenina em Serpa

O fundo que começou por ser parede era agora só de mar.




































Em Serpa, os meninos mergulharam, nadaram para cá e para lá, encontraram peixes, algas e rochas que dormiam no fundo de uma página.

A exposição Uma onda pequenina fica em Serpa até o dia 28 de junho, na Biblioteca Municipal de Serpa. Mais informações, aqui.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Movimento

O estraboscópio



O praxinoscópio



O taumatropio
O fenacistoscópio


O zootrópio


O estereoscópio
O espectroscópio



E o trocoscópio (amanhã é livro do dia na Feira do Livro!)
"Se há coisas que achas que precisam de mudar, espreita pelo trocoscópio e e carrega no botão."



sexta-feira, 6 de junho de 2014

Livros-do-dia para os próximos dias na Feira do Livro de Lisboa



Em cada dia, os livros do dia vão estar com desconto de 30%.

Aproveitem:

Sábado, 7: Histórias da Música em Portugal (Mário João Alves e Madalena Matoso)

Domingo, 8: Irmão lobo (Carla Maia de Almeida e António Jorge Gonçalves)

2.ª feira, 9: Siga a seta! (Isabel Minhós Martins e Andrés Sandoval)

3.ª feira, 10: Trocoscópio (Bernardo Carvalho)

4.ª feira, 11: Grande coisa (William Bee)

5.ª feira, 12: O mundo num segundo (Isabel Minhós Martins e Bernardo Carvalho)

6.ª feira, 13: Nunca vi uma bicicleta e os patos não me largam (Isabel Minhós Martins e Madalena Matoso)

Sábado, 14: O meu vizinho é um cão (Isabel Minhós Martins e Madalena Matoso)

Domingo, 15: Grande coisa (William Bee)


Estamos no Pavilhão C13.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Novidades na Loja PT























Packs de postais, novas ilustrações e muitas outras novidades já disponíveis na loja do Planeta Tangerina.

Espreitem a nova montra.

Já temos saudades da Lagoa Pequena


Rita Pimenta e Vera Moutinho, do jornal Público, acompanharam o passeio-lançamento do "Lá Fora", na Lagoa Pequena, e a reportagem que fizeram dessa tarde, já nos deixou cheios de saudades...
O vídeo (mesmo muito bonito) pode ser visto no site do Público, aqui.

Ana Pessoa in Hamburg (a convite da embaixada portuguesa)

Auf Einladung der Botschaft von Portugal in Berlin wird Ana Pessoa in Hamburg sein am Samstag, 7. Juni, um über ihre Bücher zu sprechen. Diese Vorstellung ist Teil des Straßenfestes im Portugiesenviertel in Hamburg und des Kongresses "50 Jahre Portugiesische Immigration in Deutschland".


Weitere Informationen über diese Initiative sind zu finden unter:

http://www.hamburg-magazin.de/freizeit/events-strassenfeste/artikel/detail/portugal-feiert-an-alster-und-elbe.html

A convite da embaixada de Portugal em Berlim, Ana Pessoa estará em Hamburgo no sábado, 7 de junho, para falar sobre os seus livros. Esta apresentação faz parte da festa de rua no bairro português em Hamburgo e do congresso "50.º Aniversário da Comunidade Portuguesa na Alemanha".

 

Mais informações sobre esta iniciativa:
http://www.botschaftportugal.de/pt/component/content/article/460-comemoracoes-oficiais-do-dia-de-portugal-de-camoes-e-das-comunidades-portuguesas-2014.html

terça-feira, 3 de junho de 2014

O que faz mexer a máquina

Na feira do livro (no sábado), a nossa Máquina-quase-automática-de-fazer-desenhos teve a sorte de ter maquinistas de primeira categoria que a manejaram com perícia, dedicação e imaginação.









segunda-feira, 2 de junho de 2014

Ana Pessoa quase em direto de Bruxelas

Uma entrevista que podia ser supergigante mas não é.
(O problema é que na internet tudo parece supergigante)

No dia a seguir às eleições europeias, enviámos uma pergunta para Bruxelas.
Ainda a digerir o resultado das eleições europeias, Ana Pessoa respondeu.
Entretanto, enviámos-lhe mais uma pergunta. E quando a julgávamos imersa nos pensamentos mais profundos, Ana respondeu-nos em direto do balcão de uma chocolataria. À terceira pergunta, já Ana fazia a digestão do cacau e folheava livros de fotografia em plena livraria Taschen.
Por nós, até continuaríamos o pingue-pongue pelo resto da tarde, mas havia documentos importantes da Comissão Europeia à espera de tradução e a brincadeira teve de terminar.


Até agora os livros que escreveste são narrativas na primeira pessoa. Em O caderno vermelho da rapariga karateca escreves os pensamentos N, 14 anos, quase 15; neste último Supergigante corres alguns quilómetros dentro do corpo de Edgar, rapaz de 15 ou 16 anos. Como é estar na pele de um adolescente? São todos iguais ou isso é uma invenção nossa?


O Supergigante e a Karateca são narrativas na primeira pessoa. Aconteceram assim. Não fico muito tempo a refletir sobre os textos. Não me interessa muito de onde vêm nem para onde vão. Os textos acontecem. Nesse sentido, sou como o Edgar do Supergigante. Não sou muito de pensar. Os adolescentes são pessoas em estado bruto. Gosto de escrever na perspetiva de alguém que é assim mais bruto! Escrever na primeira pessoa permite escrever sem máscaras. São narrativas mais honestas.
A Karateca foi um texto especialmente difícil por ser um caderno. Estive para desistir. É um desafio escrever como um adolescente. Felizmente encontrei os meus diários da adolescência e (re)encontrei um registo cómico.

O que é que te surpreendeu mais nesses diários quando os voltaste a ler? Já lá estavas tu ou não te reconheces minimamente?

As reflexões, talvez. Não sabia que era tão introspetiva. Nem tão ridícula. Nem tão irónica! Ainda dei umas gargalhadas. Também me surpreenderam as histórias de que já não me lembrava e que na altura pareciam tão importantes. Era como ler um livro de ficção sobre mim.
Sinto uma grande proximidade e uma grande distância em relação a essa memória escrita. Mas agora já não me lembro muito bem. Tenho de ler outra vez!

Uma marca dos teus livros é o humor, a ironia, por vezes, até um certo sarcasmo... O mundo em que vivemos dá-te muita vontade de rir e gozar?

Tudo me dá vontade de rir. Acho que sou um bocado infantil. Agora estou numa loja de chocolates em Bruxelas e o senhor que me está a atender leva isto do chocolate muito a sério. Dá-me vontade de rir. O meu pai contava-me as histórias todas ao contrário quando eu era miúda. Era sempre a capuchinho que comia o lobo ou então a avó. Já acordei a meio da noite a dar uma gargalhada. Quando penso no Supergigante, também me dá vontade de rir. É como se publicar um livro fosse um grande disparate. Ou uma grande surpresa. Não sei bem.

Quando é que o Edgar, o rapaz Supergigante, apareceu na tua cabeça? Houve algum dia em que o viste, de esguelha, passar a correr ao teu lado?

Sim, houve. Estava a fazer um curso intensivo de holandês em Breda, na Holanda. Estive lá sozinha 2 semanas e estranhei muito aquele sítio, os holandeses, a língua. Sentia-me verdadeiramente sozinha e isso acabou por ser um sentimento bom. Um tempo para mim, para qualquer coisa nova.
Um dia fui ao cinema. Escolhi um filme francês, Le gamin au vélo. E gostei muito do filme, sobretudo das filmagens do rapaz na bicicleta, a ideia de liberdade, de um momento a sós, sempre em frente. E lembrei-me disso, de andar de bicicleta, de correr a abrir e de isso ser tão bom.
E nunca mais parei de pensar nisso. Num rapaz a correr (não na bicicleta). Tinha de ser um rapaz. Apetecia-me escrever sobre um rapaz. Andei meses a pensar no motivo. Porque está a correr sempre em frente?

Nesta história, e também na anterior, há um romance a acontecer, a querer ter um final feliz. As histórias de amor da adolescência dão bom material para um livro? Em que é que diferem das histórias de amor quando já somos adultos?

Penso que é tudo mais urgente quando és adolescente. E tudo é uma prova também. Estás a ser constantemente comparado com os teus irmãos, com os teus primos, com os teus amigos, com os teus colegas. Ainda estás a tentar perceber qual é o teu papel. E não estás bem sozinho. Precisas desse contraste para perceberes quem és. "Aquele faz assim, eu faço assado". O reconhecimento dos outros é fulcral. Queres ser compreendido e aceite, queres que gostem de ti, que cuidem de ti. Mas já não vão ser os teus pais a cumprir esse papel. Queres ser aceite e compreendido por pessoas como tu, pelos adolescentes como tu. E também queres compreender o outro e aceitá-lo, queres gostar de alguém e cuidar. Tudo é eterno e intenso, a vida dura para sempre, tens planos e sonhos e motivações, tudo é possível. E apaixonares-te por alguém reúne tudo isso, essa urgência, essa necessidade de concretização. E nada faz sentido se estiveres separado de quem gostas e isso é terrível, porque os adolescentes vivem necessariamente separados, vão de férias com os pais e têm de cumprir regras de um mundo de adultos que ainda não é o mundo deles. E portanto, sim. Acho que o amor/ a paixão na adolescência é um bom material. Os adultos não são tão interessantes. Já não têm a vida toda pela frente, não podem dizer o que lhes vem à cabeça, não podem desatar a correr, não acreditam tanto, estão desiludidos. Já nem sequer vão votar!

Mais sobre a Ana Pessoa, aqui.
Procurem o Supergigante e O caderno vermelho da rapariga karateca.