Ana Pessoa
Nasci a correr numa madrugada de 1982, estava com
pressa. Achavam que ia chegar atrasada mas afinal adiantei-me. Quando era
pequena, corria com os pés tortos, mas depois fui ao sítio e já ninguém me
parou.
Sempre gostei de andar pelo meu próprio pé. Ainda hoje é assim: vou a
pé para todo o lado.
Nas aulas de Educação Física, as corridas de aquecimento
eram as minhas preferidas.
O corpo estava quente e frio ao mesmo tempo, o
campo de futebol era muito comprido. Eu corria e imaginava que era um leopardo.
Tinha uma longa cauda e percorria a savana a 50 km/hora. Graças às minhas
quatro patas e ao meu corpo às pintinhas, ganhei várias medalhas em
corta-matos. Era rápida e resistente.
Agora já não tenho uma longa cauda e só
corro para apanhar o comboio ou então uma história qualquer que esteja a fugir.
Desde pequena que escrevo num grande alvoroço. Cheguei a Bruxelas em 2007 e
criei um blogue (belgavista.blogspot.com), onde tenho escrito apontamentos acelerados. Em 2012 publiquei o meu primeiro
livro, O caderno vermelho da rapariga karateca. Nesse ano, uma história Supergigante
agarrou-me pela mão e eu andei a correr atrás dela dentro da cabeça.
Bernardo Carvalho
A minha mãe chamava-me destravado (sem
travões). Eu adorava correr e costumava vir a correr da escola, nem sei bem
porquê. Os cães vadios viam-me passar a correr e começavam a correr atrás de
mim e eu corria ainda mais depressa. Tinha imensa vergonha que as outras pessoas
me vissem a correr daquela maneira, porque podiam pensar que corria para fugir
dos cães, o que também era um bocado verdade, mas na verdade, verdadinha eu já
tinha começado a correr antes de correr a fugir dos cães. Eu corria tanto que
sentia a mochila a afastar-se das minhas costas (em vez de me dar coices no
rabo com o peso dos livros, voava atrás de mim, só presa pelas alças, sabes? Eu
achava, e ainda acho, que só eu é que conseguia imprimir tanta velocidade para
se dar este fenómeno, por isso é normal que não saibas). Normalmente eu era
mais rápido do que os cães porque muitas vezes eles desistiam ao fundo da rua.
Mas havia dias em que não desistiam e eu tinha de entrar em cafés a correr, e
uma vez entrei numa escola de condução a correr. Eu sentia muito mais vergonha
que cansaço. Fui apanhado duas vezes (pelos cães). Há certas ruas, na Parede,
em que ainda não passo por causa dos cães. Tenho saudades de correr. Todos os
dias.
Para quem quiser saber mais: Ana Pessoa e Bernardo Carvalho em passo moderado (biografias oficiais).
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