quarta-feira, 18 de junho de 2014

Ana Pessoa e Bernardo Carvalho: Biografias a correr



Acompanhando as passadas de Edgar, o protagonista de "Supergigante", Ana Pessoa (autora do texto) e Bernardo Carvalho (autor das ilustrações) escreveram as suas próprias biografias para serem publicadas nas últimas páginas deste livro.

O que é que cada uma destas biografias tem de especial? A sua velocidade.

Ora leiam:

Ana Pessoa

Nasci a correr numa madrugada de 1982, estava com pressa. Achavam que ia chegar atrasada mas afinal adiantei-me. Quando era pequena, corria com os pés tortos, mas depois fui ao sítio e já ninguém me parou. 
Sempre gostei de andar pelo meu próprio pé. Ainda hoje é assim: vou a pé para todo o lado.

Nas aulas de Educação Física, as corridas de aquecimento eram as minhas preferidas. 

O corpo estava quente e frio ao mesmo tempo, o campo de futebol era muito comprido. Eu corria e imaginava que era um leopardo. Tinha uma longa cauda e percorria a savana a 50 km/hora. Graças às minhas quatro patas e ao meu corpo às pintinhas, ganhei várias medalhas em corta-matos. Era rápida e resistente.

Agora já não tenho uma longa cauda e só corro para apanhar o comboio ou então uma história qualquer que esteja a fugir. Desde pequena que escrevo num grande alvoroço. Cheguei a Bruxelas em 2007 e criei um blogue (belgavista.blogspot.com), onde tenho escrito apontamentos acelerados. Em 2012 publiquei o meu primeiro livro, O caderno vermelho da rapariga karateca. Nesse ano, uma história Supergigante agarrou-me pela mão e eu andei a correr atrás dela dentro da cabeça.




Bernardo Carvalho

A minha mãe chamava-me destravado (sem travões). Eu adorava correr e costumava vir a correr da escola, nem sei bem porquê. Os cães vadios viam-me passar a correr e começavam a correr atrás de mim e eu corria ainda mais depressa. Tinha imensa vergonha que as outras pessoas me vissem a correr daquela maneira, porque podiam pensar que corria para fugir dos cães, o que também era um bocado verdade, mas na verdade, verdadinha eu já tinha começado a correr antes de correr a fugir dos cães. Eu corria tanto que sentia a mochila a afastar-se das minhas costas (em vez de me dar coices no rabo com o peso dos livros, voava atrás de mim, só presa pelas alças, sabes? Eu achava, e ainda acho, que só eu é que conseguia imprimir tanta velocidade para se dar este fenómeno, por isso é normal que não saibas). Normalmente eu era mais rápido do que os cães porque muitas vezes eles desistiam ao fundo da rua. Mas havia dias em que não desistiam e eu tinha de entrar em cafés a correr, e uma vez entrei numa escola de condução a correr. Eu sentia muito mais vergonha que cansaço. Fui apanhado duas vezes (pelos cães). Há certas ruas, na Parede, em que ainda não passo por causa dos cães. Tenho saudades de correr. Todos os dias.

Para quem quiser saber mais: Ana Pessoa e Bernardo Carvalho em passo moderado (biografias oficiais).

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