Nem sempre formulada da mesma maneira, esta é uma pergunta que ouvimos com frequência no Planeta Tangerina. Por vezes, a interrogação vem acompanhada por um certo espanto, uma espécie de revelação: "mas se eu gosto disto, como é que pode ser para crianças?"; outras, carregada de dúvida "mas têm a certeza de que isto é para crianças?"; outras ainda, a pergunta deixa mesmo de ser uma pergunta para se transformar numa afirmação um pouco indignada: "desculpem lá, mas isto não é para crianças".
Ora essa, não tem nada de pedir desculpa.
A verdade é que esta questão tem muito que se lhe diga, também gostamos de pensar nela e até já lhe dedicámos um texto, há uns tempos, num dos nossos catálogos.
“Para quem são os livros do Planeta Tangerina?"
Nunca sabemos muito bem que resposta dar, porque a verdade é esta: sabemos que os nossos livros não são os clássicos livros para adultos (romances e afins), mas conhecemos muitos adultos, de perfeito juízo, que compram livros do Planeta Tangerina para oferecerem a outros adultos.
Achamos que não é pelo facto de um livro ser ilustrado que deve (ou não) ser considerado para crianças. Não pensamos num leitor específico, quando estamos a trabalhar.
Pensamos no mundo, nas coisas que nos emocionam, nas que são misteriosas ou que nos fazem rir, mas não num público em concreto... Custa-nos, aliás, aceitar que os livros tenham uma idade certa ou errada. Acreditamos mais que devem ser criados livremente e lançados ao ar. Quem os apanhar e gostar... é o leitor certo!
O que acontece é que há muitas maneiras de nos fazermos ao mergulho, muitas maneiras de nos atirarmos à água:
Primeira pergunta: Porque vais mergulhar neste mar e não naquele?
Resposta (hesitante): Porque é para aqui que o meu corpo se inclina todo.
Segunda pergunta: Olha que pode haver piranhas, lodo... Tens a certeza de que há pé?
Resposta (gaguejante): Nem sempre... Mergulhamos aqui porque alguma coisa nos chamou. E pode ter sido um peixe quase transparente que vimos passar muito depressa, nada mais do que isso.
Terceira pergunta (muito, muito frequente): E pensam nas crianças quando estão a fazer os vossos livros?
Resposta politicamente correta: Claro que sim. As crianças estão sempre no nosso pensamento. Elas inspiram-nos todos os dias. Testamos todos os livros com elas e só os publicamos se elas nos sorrirem com os dentes todos no final.
Resposta sincera: Quase nunca. Podemos pensar em nós próprios, quando éramos crianças. Podemos lembrar-nos de pormenores das crianças que conhecemos. Podemos até ser inspirados por qualquer coisa que ouvimos uma criança dizer. Mas na altura de meter mãos à obra, criança não entra.
Quarta pergunta: Conhecem o alvo para o qual estão a trabalhar?
Resposta: Os leitores não são um alvo. Os leitores são atingidos todos os dias por toda a espécie de mensagens e precisam de descanso. Os livros é que devem ser o alvo dos leitores: tens bom aspeto, já te faço a folha, vou atirar-me às tuas páginas.
(Na foto: o Simão, no stand da Feira do Livro de Lisboa, agarrado a um livro que chamou por ele.)
Só uma nota final: quando começámos a trabalhar, a maior parte do trabalho que fazíamos tinha um ponto de partida diferente daquele que tem um livro. Tinha briefings, objetivos de comunicação, alvos muito concretos. E esta não é uma abordagem melhor ou pior, acontece apenas que com os livros o mergulho é diferente: um pouco mais às cegas, um pouco mais arriscado, um pouco mais espontâneo e, claro, de corpo inteiro... não há cá só pontinhas dos pés.
Tudo isto para dizer que é mesmo de não perder o colóquio comissariado por Inês Fonseca Santos que vai juntar na Gulbenkian criadores que trabalham para a infância, reunidos à volta da questão “o que é afinal uma criação para a infância?”.
Dias 9 e 10 de Fevereiro, a falar sobre livros, música, filmes e espetáculos estarão Serge Bloch, Davide Cali, João Fazenda, Catarina Sobral, Regina Pessoa, Afonso Cruz, B Fachada, Susana Ralha, Susana Menezes, entre muitos outros.
Vejam aqui o programa completo.
sexta-feira, 16 de janeiro de 2015
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