Muitas vezes perguntam-nos: mas então e o digital? O Planeta Tangerina não entra no digital? E nós pensamos, pensamos... e parece que nunca vamos a lado nenhum.
O digital, é verdade, tem um potencial incrível: pode ter som e movimento, ligar-nos a outros lugares, dar-nos as cores e as vozes de que mais gostamos, pode até tratar-nos pelo nome. Para além disso, muitas vezes deixa-nos participar no enredo e observar, em direto e ao vivo, um “antes” e um “depois” — o que, não tenhamos dúvidas, pode dar imenso jeito quando se conta uma história.
Mas, com tanta interatividade, o digital pode também ser muito irrequieto, barulhento e, por vezes, um pouco inconsequente. É, por um lado, mais exigente a pedir a nossa participação — convida-nos a entrar e a sair, a fazer isto e aquilo—, mas nem sempre é tão exigente no que diz respeito ao que nos pede que sejamos nós a construir. Muitas vezes não dá pistas: mostra.
O papel é mais parado, mais lento e silencioso. A ação avança ao ritmo das palavras e das frases, das imagens que vamos construindo, das ligações que vamos fazendo, mas tudo isto acontece sempre dentro da nossa cabeça. Não há som, nem movimento (reais), nem a possibilidade de o leitor provocar mudanças — o tal “antes” e “depois” tornado visível.
Para criar surpresas, podemos jogar com o enredo da história (claro), com a ilustração (mostrando, por exemplo, elementos novos que acrescentam qualquer coisa à história), podemos até aproveitar o intervalo criado pela passagem de uma página para a outra ou utilizar engenharias de papel mais complexas, mas estamos sempre totalmente dependentes do leitor e daquilo que se passa na sua cabeça.
E neste sentido, ler um livro em papel pode ser hoje uma experiência quase radical, pois obriga-nos a estar parados (a ouvir e/ou a ler as palavras e as imagens) e a construir com elas algo novo, que não nos é servido de bandeja.
Se isso é bom ou mau? Nós achamos que pode ser bom.
Por outro lado, um livro em papel é um livro em papel, um objeto real com uma geografia própria, em que cada lugar tem um nome — capa, guardas, folhas de rosto... o que faz dele um objeto com um potencial incrível e quase imbatível: mesmo antes da história começar, o livro é um lugar. Com um portão por onde se entra, lugares onde esperamos, lugares onde corremos, passagens, fronteiras...
Conclusão (ou uma espécie de...)
Há assim dois aspetos em toda esta história — digital versus papel— que nos fazem pensar: por um lado, sentimos que os livros em papel são mais sossegados e têm uma capacidade de estar por dentro da cabeça do leitor de uma forma mais profunda e duradoura; por outro, fascina-nos a ideia de um livro poder ser interativo, de o leitor poder participar nos acontecimentos e de poder ter com os materiais uma relação também física, de toque, de fazer as coisas acontecer.
E dito isto, em que ficamos?
Disto isto, resolvemos criar a Coleção de Cantos Redondos do Planeta Tangerina.
Uma coleção de livros interativos que pedem a participação dos leitores não só através do olhos e da cabeça, mas também dos dedos e das mãos, dos ouvidos e do nariz. Uma coleção onde juntamos livros em que as imagens têm ainda mais predominância e onde, de diferentes formas, os leitores são desafiados a intervir. Por exemplo, procurando e juntando pistas, desencadeando ações, explorando, dentro das fronteiras e limitações físicas do livro em papel, todo o tipo de aventuras possíveis.
Mas não será abusivo chamar digital a livros deste tipo?
Não nos incomodam as limitações do papel?
Não será antiquado ter interatividade sem som, sem movimento, sem botões?
Temos a convicção de que o leitor tudo resolve...