sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Vencedores do passatempo "Mary John"



Ana Pessoa já escolheu, em pessoa, os vencedores do passatempo:

"Foi tão bom ler estas cartas. Gostava de responder a todas elas. Falam de amor e de urgência. De ausência. E também de perda. Cartas à avó, à mãe, à filha, ao irmão, à irmã. Cartas ao papa, a uma amiga, a uma colega de trabalho. Li uma carta em forma de poema e outra muito engraçada sobre um chapéu. Uma carta dirigida a um "eu" do passado e uma outra carta para um "eu" do futuro. Umas cartas eram muito pessoais e outras menos. No final desta maratona de cartas escolhi uma carta doce que fala de sonhos e mangas, uma carta espectadora que observa os prédios e as vacas, e uma carta alienada sobre extraterrestres e universos paralelos.

Parabéns aos vencedores! Espero que gostem da carta da Mary John."

E os vencedores são:
- Marta Sales
- Júlia Zuza
- Beatriz Costa



Textos seleccionados:


Querida Emília,

sonhei essa noite com você. Um desses sonhos malucos que a gente acorda e sorri. Foi assim: nós duas estávamos na praia como fazíamos nas férias de janeiro, lá em Caraíva. Você lembra que aquela casa em que a gente ficava era cheia de mangueiras e tinha muitas janelas azuis? Era tão bom acordar, pegar manga do pé e correr pro mar. Quanto tempo faz isso? Uns 20 anos? 

No meu sonho a gente estava novamente em Caraíva, comendo manga na beira da praia. Procuramos tatuí, tomamos sol, boiamos na água e acendemos uma fogueira na areia. De repente começou a chover forte e você conseguiu levar a fogueira acesa para debaixo de uma árvore (até nos sonhos você consegue façanhas incríveis). Nessa hora apareceu meu chefe e nos convidou para ir à casa dele, que na verdade, era o apartamento atual da mamãe. Houve um almoço e mamãe tocou Caetano no violão (onde foi parar aquele violão desafinado dela?), voltamos pra praia e brincamos de boiar na água. Essas maluquices gostosas de sonho. Porém mais louco ainda é pensar que é esse mesmo oceano que agora nos afasta: cada uma em um continente, cada uma com sua própria faixa de areia. E essa carta amanhã vai sobrevoar o mesmo mar e nos unir novamente, irmã. 

Comprei mangas hoje em sua homenagem. Toda manga tem um saborzinho de verão na Bahia; toda janela azul de Lisboa me lembra de você, minha pequena sereia. 
Me espere pro mergulho que eu chego já.

Um beijo,

Júlia


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Caro Comandante Terráqueo-Intergaláctico Almeida

Deve estar já a estranhar o facto de o tratar por terráqueo e pensar que a exploração de extraterrestres me subiu à cabeça. Contudo, vem esta carta explicar-lhe as peripécias da minha viagem. Isto se porventura chegar ao destino e for o próprio comandante a lê-la. Porém, se não é o comandante Almeida o leitor deste escrito, deverá ainda assim continuar a leitura e contar a quem de respeito o que lhe conto por estas palavras e não outras.

Relatarei então o sucedido:

Ao vigésimo segundo dia de viagem da expedição a bordo da nave K-612, em busca de vida extraterrestre pelo Sistema Solar 13, perdemos controlo de um dos propulsores da nave numa tempestade de meteoros. Sendo eu a mecânica de serviço nesta missão, dediquei-me à reparação do motor mas algo correu mal (e poderia ter corrido ainda pior): o propulsor começou a trabalhar quando ainda me encontrava do lado de fora da nave e a única imagem que retenho é a da K-612 a diminuir no meu campo de visão até se confundir com os astros mais brilhantes do horizonte galático.

Pensei que morreria aí, mas depois de um longo sono acordei para ver o meu camarada Hugo que me sacudia esperando sinais de vida. Ainda em estado debilitado, a equipa levou-me de volta à base espacial na Terra onde fui internada. Já cá me encontro há vários dias, talvez semanas, mas desde que comecei a recuperar tenho notado certas estranhezas e sei agora por certo que NÃO ME ENCONTRO NA TERRA.
Tudo aqui é exatamente semelhante ao que conhecia mas numa imagem assustadoramente inversa. Devo apressar-me a acabar esta carta que tento escrever com a mão esquerda para não suspeitarem da minha intrusão. O "Comandante Almeida" tem vindo visitar-me todos os dias pois fora o seu filho, um igual ao Hugo, que me salvara! Querem a todo o custo saber quem sou e de onde venho, mas tenho medo de lhes contar a verdade...

Estou presa num universo paralelo e temo pelo que acontecerá se me encontrar a mim própria!

Ajude-me

Elyia Souza


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