segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Sigam as vossas paixões, diz Zimler


Com alguma pena minha só consegui assistir a "um quarto" do Congresso Internacional de Promoção da Leitura da Gulbenkian. Ainda por cima cheguei atrasada, nessa manhã, e não sobravam já cadeiras livres no auditório principal onde decorriam as comunicações. Foi assim que fui parar a um dos auditórios extra onde é possível assistir, em directo, mas não ao vivo, às comunicações do auditório principal: entrei, procurei uma das poucas cadeiras vazias e sentei-me, esforçando-me por me manter atenta. Mas, não foi fácil.
Para além deste gap com o mundo real proporcionado pela projecção, a cadeira que escolhi não era muito favorável à concentração (o ângulo que formava com o ecrã só me deixava ver as imagens à tangente) e, para dificultar as coisas, as comunicações eram todas em inglês (e eu ainda sou do tempo em que era possível preferir o francês). Depois, confesso, não estava nos meus dias... Resultado: distraí-me, como me distraio tantas vezes em encontros deste tipo.
Tinha a pasta, que a Casa da Leitura simpaticamente disponibilizou, e foi assim que passei a manhã, mergulhando na leitura, para de vez em quando regressar à superfície e escutar o que se dizia (devo dizer que sempre que consegui estar atenta, pareceu-me o conteúdo rico e interessante).

Um dos dossiers entregues pela Casa da Leitura é composto por um conjunto de depoimentos recolhidos junto de leitores, professores, ilustradores, escritores, promotores da leitura, e também fotógrafos, cientistas e livreiros, aos quais foi pedida uma reflexão sobre o tema da própria conferência "Formar Leitores para Ler o Mundo".
Não foi tempo perdido esta leitura e ajudou-me a salvar a manhã...
Gostei especialmente do texto de Richard Zimler, pela sua simplicidade, pragmatismo, e método proposto que me parece, assim à distância, bastante eficaz.
Zimler defende a ideia de que cada leitor tem direito a fazer um percurso, a fazer escolhas e a ter preferências, mesmo que estas nos pareçam "de mau gosto" ou "erradas". Só, assim, seguindo as suas paixões e tendo hipótese de continuar a escolher, é possível chegar à grande literatura.
Aqui ficam alguns excertos:

"Quando os meus alunos me pedem um conselho, o único que lhes dou é: sigam as vossas paixões! Isto significa que eles devem escolher uma profissão e uma forma de vida que os estimule, que os entusiasme a continuar a aprender, que lhes dê o sentido de que estão exactamente onde deveriam estar.(...)
Sinto o mesmo relativamente à leitura. As crianças deveriam ser postas em contacto com uma grande variedade de livros, sobre diferentes assuntos, de amplas e diferentes culturas e deveria ser-lhes permitido escolher os que mais as estimulam e interessam.
Claro que isto significa que poderão escolher livros sobre moda, desporto, mitologia, Hindu em detrimento da Literatura Europeia Clássica. E depois? Eu não penso ser vantajoso obrigar um rapaz ou uma rapariga a ler Camões ou Jane Austen ou Racine (depois de fazer uma exposição inicial sobre estes autores) quando o que eles realmente querem é J. K. Rowling, uma biografia de Pelé ou o último romance de Danielle Steele."
(...)
Dêem aos jovens uma vasta escolha de livros e familiarizem-nos com todas as suas opções. Dêem-lhes uma oportunidade de aprender a amar a leitura, e depois encorajem-nos a seguir as suas paixões. E quando eles forem muitos pequenos, leiam-lhes todas as noites antes de dormir.
Talvez alguns partam de um gosto pela Bd para a mitologia grega, e depois para William Faulkner ou Stendhal. Talvez eles descubram o que faz a grande literatura grande. (...) "


Ilustração: Madalena Matoso



PS: Não assisti à conferência de Peter Hunt, mas felizmente existe a blogosfera. No Jardim Assombrado, Carla Maia de Almeida conta como valeu a pena.

5 comentários:

{anita} disse...

só posso concordar...
mas é necessária uma certa modéstia da parte de um escritor para dar um conselho destes!

Billy disse...

Acabei ontem de ler mais um livro deste autor e, cada vez mais, me apaixono pela maneira como escreve e conta histórias.

Nunca tinha lido nada dele que não fosse de ficção e fico contente por poder ler este extracto, que só vem consolidar a minha admiração por ele!

Anónimo disse...

Adorei!
Tenho pena de não ter tido disponibilidade para ir ao congresso mas tenho andado de site em site a buscar notas, textos de tudo o que se passou.

Beijinho
M. Junça
Évora

Vespinha disse...

Já assisti a várias palestras do Richard Zimler, e ele é mesmo assim: directo, pragmático e muito, muito simples e humilde. Desde o Último Cabalista, lançado já há tantos anos, que gostava dele como escritor. Hoje, cada vez gosto mais dele como pessoa.

Para quem tenha mais curiosidade, já escrevi 2 tópicos sobre ele: http://vespaaabrandar.blogspot.com/search?q=zimler

Vespinha disse...

E sem querer ser muito chata, mas porque acho que é mesmo de partilhar... mais um tópico com uma perspectiva semelhante acerca dos direitos do leitor, listados por Daniel Pennac: http://vespaaabrandar.blogspot.com/search?q=pennac